sexta-feira, 8 de outubro de 2010

3- A Lei do Divórcio, um estudo de Deuteronômio 24:1-4

Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente, far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua casa.
Se ela, pois, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem,
E este também a desprezar, e lhe fizer carta de repúdio, e lha der na sua mão, e a despedir da sua casa, ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a morrer,
Então seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a tomá-la, para que seja sua mulher, depois que foi contaminada; pois é abominação perante o SENHOR; assim não farás pecar a terra que o SENHOR teu Deus te dá por herança.

Deuteronômio 24:1-4
No tempo de Jesus, havia duas tradições judaicas provindas de escolas com pensamento diferentes sobre o texto de Deuteronômio citado. Elas são Shammai e Hillel.

A disputa interpretativa dessas duas escolas era baseada na expressão "encontrar coisa indecente". Vejam o verso em outras versões:
Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela...
ARA
Pode acontecer que um homem case, mas depois de algum tempo não goste mais da esposa porque há nela alguma coisa que não agrada a ele.
NTLH
Se um homem casar-se com uma mulher e depois não a quiser mais por encontrar nela algo que ele reprova...
NVI
Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio, mas esta, logo depois, não encontra mais graça a seus olhos...
Bíblia de Jerusalém
A escola de Hillel acreditava que o homem podia se divorciar por qualquer motivo, seja ele de natureza sexual ou não. Já a corrente de Shammai acreditava que o divórcio só era permitido por ato sexual ou exposição sexual indecente.

Analisando o termo hebraico ʿerwat dabar (coisa indecente), podemos entender melhor as especificações do termo. A palavra ʿerwat tem o significado de nudez, nudismo, genitália. Muitas vezes ela foi usada como eufemismo do relacionamento sexual, mas no caso o termo usado seria "descobrir a nudez" e não "ver... a nudez" como temos acima.

Ao verificar a significação desta palavra e seu uso em outros versos bíblicos (Êxodo 20:26, Lv 20:18 e 19, por exemplo), deixa-nos claro que a escola de Shammai tinha a interpretação mais acertada do verso bíblico, apesar de ainda falhar em um ponto: a relação sexual adultera era punida com a morte, não com o divórcio. Por isso, não era um relacionamento sexual com outro que traria o divórcio.

Ou seja, o texto sobre o divórcio não trata do sexo extraconjugal, mas de situações em que a exposição de partes íntimas da esposa fizessem com que o marido a rejeitasse.

Mas nossa análise não termina aqui. Apesar da análise descartar o liberalismo da escola de Hillel, o qual permitia que uma mulher fosse repudiada por queimar uma refeição, a análise leva a uma conclusão muito mais liberal se comparada a da maioria dos estudiosos modernos. Afinal, divorciar só é aceito, e em só algumas religiões, por traição. Aqui vemos que traição não pedia divórcio, mas morte.

Os demais versos, tratam do segundo casamento da mulher repudiada. Veja que com a carta de divórcio ela tinha o direito legal de contrair novo casamento. Mas caso este novo marido morra ou a repudie também, o primeiro marido não pode voltar para ela.

Vejam que esta lei de divórcio não é uma concessão para o homem rejeitar sua esposa, mas uma proteção contra essa rejeição, pois era uma maneira da a mulher não ficar abandonada. A carta daria direito a mulher para se casar com outro, não sendo forçada a ficar solteira, que na época era sinônimo de desamparo. Deus ama e se preocupa com todos, não é mesmo?

Note que quem é punido, caso o divórcio ocorra, é o rejeitador, pois ele não pode voltar atrás caso ela se case novamente. Mas qual é o motivo dessa punição? A resposta do verso é "pois é abominação perante o Senhor".

Segundo o verso 4, a esposa foi contaminada. Mas o que isso significa. Se vocês leram a publicação anterior, sempre que há sexo com uma pessoa você se torna uma só carne com ela e com as demais pessoas que ela se deitou.

Mesmo o divórcio não quebra o elo criado pelo sexo. Com isso, percebe-se a importância da virgindade no contexto bíblico.

Se isso não foi suficientemente convincente, note que a construção do verso hebraico está no hithpael, uma forma verbal passiva. Por isso, uma melhor tradução para a expressão seria "ela foi levada/induzida a contaminar-se".

Fica claro que o texto bíblico está jogando a culpa deste adultério no primeiro marido. Por isso que esse tipo de adultério não era punido com a morte, afinal, a mulher não tinha culpa de sua impureza.

Mas, o segundo casamento seria algum tipo de adultério? O termo "contaminação" é claramente ligado a Levítico 18:20-24 e 30, onde vemos diversos tipos de relações sexuais ilícitas (adultério). Veja que estas práticas também contaminavam a terra:
Por isso a terra está contaminada; e eu visito a sua iniquidade, e a terra vomita os seus moradores.
Levítico 18:25
Números também confirma que a relação sexual extra conjugal deixa a mulher contaminada (5:13, 14 e 20). Paulo deixa ainda mais claro declarando:
De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido.
Romanos 7:3
Veja que o ideal de Deus para o homem sempre permaneceu, e que a multiplicidade de parceiros sexuais é adultério, independente de haver uma cerimônia de casamento ou não. O que cortaria esse estado adúltero seria a morte do parceiro sexual.

Mas, creio eu, que a lição mais importante que podemos tirar dessa lei é que a misericórdia de Deus agiu para proteger a mulher, não se esquecendo dela em meio a uma sociedade onde os homens detinham o poder absoluto.
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10 comentários:

  1. Ótimo texto, pois o assunto é analisado com profundidade dos texto bíblico não em carácter de pessoalidade.

    Graça e Paz!

    Alef, Jalvo

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  2. Obrigado, Jalvo.
    Deus te abençoe também.

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  3. Desculpe, não entendi muito bem. Nesses casamentos a mulher tinha relações sexuais com o marido? Ou só teve com o terceiro que morreu?

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  4. O relacionamento sexual fora do casamento não era algo aceito nos tempos bíblicos. Por isso, o marido que dava carta de divórcio não podia se relacionar sexualmente com ela até ele assumí-la novamente como esposa. Mas se ela casar-se antes dele voltar atrás, e o novo marido morrer, ele nunca mais poderá se casar com ela.

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  5. O texto se refere ao Antigo Testamento. E nos dias de hoje como acontece? Qual a exigência de Deus? Após o divórcio estamos livres para casar novamente ao olhos do Senhor?

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  6. Essa foi uma análise do Antigo Testamento. E hoje, podemos casar após o divórcio e estarmos bem aos olhos de Deus?

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    Respostas
    1. Deus não quer o divórcio. Caso ocorra, por termos o coração duro, manter a pureza seria não se casar novamente enquanto o parceiro vivesse. Caso venha a se relacionar sexualmente com uma nova pessoa, o estado é de adultério. Isso não implica a perdição da pessoa, pois a graça de Cristo cobre a impureza.

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  7. Conheço vários casais que se divorciaram e anos depois tiveram o casamento restaurado casando-se de novo com seu cônjuge.Então biblicamente falando isso é pecado? Uma vez divorciado o casal não pode se arrepender e se casar novamente?

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